por Maria Lúcia Pinto Leal

  

Trata-se este artigo de uma reflexão sobre a gestão do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares – Ceam no período de outubro de 2016/2018, ou seja, dois anos de empenho e luta comprometidos do coletivo eleito.  Na sua essência o Ceam tem o propósito de unir ciência e humanismo para cumprir sua função social, integrar-se e contribuir para dinamizar a UnB, relacionar a excelência do conhecimento acadêmico e o compromisso com a transformação social, além de articular a ciência com diferentes saberes, democratizando o acesso ao conhecimento.

A adoção de perspectivas multi, inter e transdisciplinares de natureza crítica, democrática e participativa, como direção da política pedagógica do Ceam, implica em inúmeros desafios: 1. Epistemológicos: diálogo com o conhecimento científico e os diferentes saberes; 2. Teórico metodológicos: abertura para diferentes abordagens que enriquecem e inovam o processo de conhecimento; 3. Políticos: garantia de uma produção acadêmica em permanente diálogo com a esfera do Estado e comprometida com as demandas da sociedade civil.

Nesta direção pergunta-se: Por que o Ceam é importante para fortalecer espaços democráticos na conjuntura atual da UnB e da sociedade?

O ponto de partida para descortinar essa questão passa pela análise de três objetivos principais e norteadores, articulados entre si, quais sejam: a) trazer, como referência, o contexto histórico e político do atual golpe desferido contra a democracia brasileira e o seu impacto na Universidade de Brasília e em consequência para o CEAM; b) analisar aspectos contraditórios e desafiantes para realização de uma gestão transparente e democrática com a participação dos docentes, discentes e técnicos administrativos deste Centro; c) construir estratégias para o Ceam, criando outras formas de gestão que fortaleçam a política democrática do Centro para dentro e para fora da instituição, reforçando a natureza multi, interdisciplinar e transversal, levando em consideração o tripé ensino, pesquisa e extensão.

A crise da democracia brasileira ataca a autonomia das Universidades Federais

Explicar a gestão do Ceam com base no entendimento de que a democratização da universidade está condicionada, em grande medida, pela democratização da sociedade brasileira, é ponto fundamental. Os ataques à autonomia universitária, aos direitos sociais e à Política de Educação representam também uma tentativa de desmonte das condições objetivas de funcionamento das universidades e do ensino no Brasil. Para resistir a esses ataques antidemocráticos as universidades precisam se engajar em processos e práticas participativas tanto nos seus âmbitos internos quanto nos externos

Construir poderes capilarizados entre as instâncias acadêmicas e administrativas com aquelas que representam as categorias profissionais e estudantis na universidade é uma tarefa urgente para fazer frente às ofensivas do neoliberalismo de barbárie contra a autonomia universitária.

Dessa forma, a democratização interna das universidades é estratégica.  Incluem-se aí a escolha de dirigentes, os processos de representação e de participação, a informação e a comunicação, as responsabilidades individual e coletiva. E ainda, a democratização externa, englobando a extensão, a prestação de serviços, a participação da universidade no desenvolvimento, e o controle social da sociedade sobre a universidade: essas são questões que viabilizam a autonomia das Universidades.

A democratização está vinculada organicamente à autonomia universitária. Estas duas dimensões são instrumentais para que a universidade cumpra bem os seus objetivos. Elas não são dadas naturalmente, não são adquiridas por normas legais (ainda que estas possam ajudar a sua consecução), mas são objeto de conquista permanente e cotidiana dos membros das comunidades universitárias. Concretizá-las exige dedicação, esforço, compreensão, avaliação constante, projeto claro do que se quer, luta contra pressões e, sobremaneira, resistências, práticas concretas e reflexões teóricas que as acompanhem.

Dessa forma, reafirmamos que a democratização da universidade está condicionada, em grande medida, pela democratização na sociedade brasileira, já que as relações sociais dominantes na nossa formação social denotam elementos recorrentes de autoritarismo e verticalismo que impregnam toda a vida social. A universidade não poderia estar imune aos seus efeitos, que atravessam as relações entre professor e aluno, entre professores, alunos e técnicos administrativos, direções e bases, e assim por diante.

Assim, os danos imediatos da crise econômica financeira para a educação superior e a ciência e tecnologia do Brasil são trágicos e podem retardar o desenvolvimento do País. Cortes na educação e na ciência podem, em curtíssimo prazo, interferir na recuperação mais vigorosa das universidades federais.

Outra grave situação associada à primeira acima relatada é a questão do impacto da crise do aumento da privatização no interior das universidades federais, que tem levado à demissão de profissionais terceirados, que desempenham, cada vez com mais frequência, atividades cotidianas das universidades por meio de contratos precários. Somado a essa situação, o número insuficiente de servidores concursados, e a falta de uma política de capacitação para essa categoria, acirram a crise das universidades e causam problemas de toda ordem aos gestores.

Outra degradação, tão grave quanto a econômica, é a crescente dissolução das relações humanas na sociedade, expressa na substituição do diálogo solidário pelo ódio e pela intolerância que ameaçam deixar sequelas que podem perdurar nas práticas sociais e institucionais por períodos futuros, atingindo fortemente a saúde dos discentes, docentes, técnicos administrativos e estudantes das universidades.

Em períodos de crise é fundamental que todos e todas se mantenham alertas para fortalecer o pensamento crítico, sem deixar espaços para que ele seja periferizado nas universidades, nas redes sociais, e nos monólogos imprecisos das instâncias de poder.

Nesta direção é que se torna importante pautar o Ceam como um protagonista de processos capilarizadores de práticas que elevam o debate e fortalecem o diálogo com a sociedade e demais setores da UnB por meio de investimento em novos modelos pedagógicos que destravam a perspectiva do saber disciplinar como a única forma de responder aos problemas epistemológicos da ciência em relação à sociedade. O que se deve é apostar na perspectiva multidisciplinar, interdisciplinar (ou quem sabe indisciplinar) e transversal para construir, com as bases e/ou com as forças sociais, o conhecimento humanizado e avançado, no sentido de  revolucionário do ponto de vista de sua construção democrática e da qualidade de seu compromisso social, - pretensão e busca de seus criadores Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, e que os atuais gestores têm, também, o compromisso de incorporar.

 

Brasília, 18 de setembro de 2018

Maria Lúcia Pinto Leal

Diretora do Ceam