Organizado pela Professora Maria Lucia Leal, Diretora do Ceam / UnB

 

 

A publicação "Tráfico de pessoas e mobilidade urbana", que acaba de ser lançada pela Editora Universidade de Brasília, integra uma coleção de reflexões sobre os desafios e perspectivas diante de uma das mais graves formas de violação aos direitos humanos. O livro se nutre de argumentos e análises sólidas para justificar a necessidade de adoção de políticas públicas comprometidas com a prevenção e o enfrentamento dessa questão, que leva homens, mulheres, adolescentes e até mesmo crianças a condições degradantes, retirando delas a própria condição humana ao transformá-las em objeto, em mercadoria que pode ser vendida, trocada e explorada.

 

Vale notar que, no Brasil, os estudiosos se deparam com muitas dificuldades diante dessa situação complexa, principalmente com o encolhimento do Estado no pós-golpe, que se expressa na crueldade dos cortes orçamentários, por meio da Emenda Constitucional nº 95/2016, contingenciando verbas destinadas a políticas públicas e, por conseguinte, a retirada de direitos e conquistas sociais para a sociedade. Essa situação atinge sobremaneira as instituições voltadas para a proteção de pessoas vítimas do tráfico e para a prevenção desse crime e também no acolhimento e apoio psicológico às vítimas.

 

Chama atenção ainda nos estudos apresentados o crescente aumento nas estatísticas que envolvem o tráfico de pessoas, embora exista, no Brasil, a dificuldade de quantificar e qualificar as diversas modalidades desse crime hediondo, tendo em vista o governo não criar mecanismos de coleta e sistematização de dados, negligenciados desde a destituição da presidenta Dilma Rousseff. Desde o reconhecimento por parte do Estado na compreensão desse crime, o Brasil já adotou dois planos nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, sendo que a formulação do terceiro ainda está sendo aguardada. Também foi aprovada a Lei nº 13.244 – Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, se adequando ao Protocolo de Palermo, que objetiva suprimir e punir o tráfico de pessoas, suplementando a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional.

 

 

Comércio ultrajante

 

O Brasil é um dos principais países de origem, trânsito e destino de pessoas submetidas ao tráfico sexual, de trabalho forçado e para remoção de órgãos. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que existem atualmente cerca de 21 milhões de pessoas submetidas ao trabalho forçado no mundo. Outros dados revelam que a exploração sexual é a modalidade mais comum, atingindo em sua grande maioria mulheres e meninas, explorando também homens, homossexuais, travestis e meninos. Quanto ao tráfico de órgãos, pesquisa recente da Global Financial Integrity mostra que essa modalidade está em expansão e atinge pessoas em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), "...a cada ano, no mundo, são executados cerca de 22 mil transplantes de fígado, 66 mil transplantes de rim e 6 mil transplantes de coração. Cerca de 5% dos órgãos utilizados nessas intervenções provém do mercado negro, com um volume de negócios estimado entre 600 milhões e 1,2 bilhão de dólares".

 

O Brasil também tem se destacado no cenário das imigrações internacionais, não só pela sua extensa fronteira, mas como país de tradição acolhedora aos imigrantes, principalmente refugiados. Nessa questão é que entram os aliciadores de mão-de-obra escrava, com base em uma legislação arcaica para os estrangeiros – muitos em situação irregular no país. Os autores dessa temática não perdem de vista o sistema que opera por trás desses indivíduos que aliciam pessoas e as levam a se submeterem à condição de oprimidos.

 

Nesta obra -- fruto de uma parceria entre o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB e representantes do Comitê ObservaLatrata/Brasil/Peru --, os autores demonstram a radicalidade de suas reflexões ao apontar a necessidade do enfrentamento a esse crime organizado que explora pessoas como mercadoria lucrativa, salientando como os desafios do capitalismo para a sua expansão levam-no a essa forma de acumulação, pois pessoas sendo mercadorias, tornam-se produtoras de bens e serviços, sem qualquer direito, nem mesmo o de ir e vir. Os autores voltam-se para o exame do significado e das causas desse fenômeno que tem sua gênese na busca do lucro à custa da exploração de vidas humanas. Procuram atingir o imobilismo programático do Estado, para, em seguida, apontar caminhos para uma rede de prevenção e repressão ao tráfico humano em todas as suas modalidades.

 

 

Inês Ulhôa

 

 

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