Espantoso é o Brasil não ter se mostrado politicamente disposto a erradicar a mazela herdada da escravidão

 

por Flávia Oliveira

17/12/2017 4:30 / Atualizado 18/12/2017 7:57

 

 


RIO- No debate sobre identidade racial que varreu o Brasil a partir da política de cotas nas universidades, um argumento emergia com frequência: “Se há dúvida sobre quem é negro, pergunte à polícia. A PM não hesita”. Fim de papo. A ironia rascante explicitava a percepção social do racismo nas instituições de segurança, posteriormente comprovado na produção acadêmica. É de abril de 2014 a pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que confirma o viés racial tanto na letalidade quanto na vigilância policial em São Paulo.

 

Sob a coordenação da professora Jacqueline Sinhoretto, a equipe do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (Gevac) analisou 734 processos de mortes em decorrência de ação policial no período 2009-2011. As vítimas (838, ao todo) eram predominantemente negras (61%), homens (97%) e jovens de 15 a 29 anos (77%). [São números constrangedoramente coincidentes com o perfil dos brasileiros assassinados todos os anos; em 2016 foram 61 mil.] A taxa de mortes por cem mil habitantes mostrou que a polícia matava três vezes mais negros (1,4) do que brancos (0,5).

 

A marcação racial também era relevante nas prisões em flagrante, segundo a pesquisa “Desigualdade racial e segurança pública em São Paulo”. No índice por cem mil habitantes, eram 14 brancos e 35 negros capturados. Como esse tipo de detenção não decorre de investigação criminal prévia, havia sinais de vigilância maior sobre pretos e pardos. “Os dados indicam que, no cometimento de delitos, os negros são flagrados com maior frequência do que brancos, pois são mais visados pela ação policial”, informava o estudo.

 

Em 2011, o IBGE também investigou as percepções étnico-raciais dos brasileiros. Praticamente sete em cada dez entrevistados diziam que raça influenciava as relações com o mercado de trabalho e as instituições policiais e judiciais. O país, portanto, nunca ignorou que cor da pele era determinante para conseguir trabalho, ser preso, ficar vivo.

 

Espantoso é que, século XXI adentro, ainda não tenha se mostrado politicamente disposto a erradicar o racismo, mazela herdada da escravidão. Mais que empatia, falta humanidade a uma sociedade indiferente à predominância de negros e negras entre mortos, presos e excluídos e, ao mesmo tempo, confortável com invisibilidades desses brasileiros nos espaços de poder e nas classes abastadas.

 

 

Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/artigo-racismo-percebido-comprovado-22199576#ixzz51X9Hz6VB